Bolo Formigueiro: Uma crônica metrô Paralelo
"Como diz o ditado, um dia é da caça e o outro do caçador, ou seja, quem um dia viu alguém excêntrico, um dia será a pessoa excêntrica."
Bolo formigueiro
A excentricidade, é uma marca de São Paulo, digo isso como moradora natural da capital e também como alguém que já viu cada coisa, que até mesmo Deus duvidaria.
Como diz o ditado, um dia é da caça e o outro do caçador, ou seja, quem um dia viu alguém excêntrico, um dia será a pessoa excêntrica. Esse é o meu caso, quando fiquei perambulando pelas estações de metrô, indo da linha vermelha, até a amarela, segurando uma boleira com um bolo formigueiro dentro.
O contexto é o seguinte: Ia ter uma confraternização da minha equipe, na casa da minha gerente, que mora em pinheiros, enquanto moro na zona leste (leste) de São Paulo, no desconhecido e estranho Ermelino Matarazzo (Que ainda ganhará uma pílula especial, só dela). Com a boleira na mão, o sol no rosto, havaianas no pé e um sonho, me aventurei pelos transportes públicos, atraindo todos os tipos de olhares.
Como um presságio do que me aguardava, assim que pisei na estação Itaquera, um moço perguntou “Tá vendendo bolo, amiga?”, o que eu, com um risinho, neguei. Subi pela escada rolante, enquanto curiosos olhavam a boleira, que sem brincadeira, é bem grande. Era mesma coisa que estar com uma melancia no pescoço
Entrei no vagão, me sentando no banco do canto, ao lado da janela, tentando equilibrar a boleira e minha mochila, parecendo uma personagem boba e atrapalhada de desenho animado, quando uma moça senta ao meu lado.
“Vou sentar aqui ao lado dessa moça. Vai ser difícil, com esse bolo gostoso do meu lado” disse ela, abrindo um sorriso. A moça era preta, cabelo curto e vermelho tingido, um sorriso fácil, os olhos abertos e bonitos, tudo nela gritava carisma e simpatia. Ao lado dela, sua prima, (pelo menos, foi o que ficou subentendido, ao decorrer da conversa) também preta, o cabelo trançado, lindo e loiro. Tinha o mesmo sorriso fácil que a parente, assim como carisma e simpatia.
“É, nem me fala, ele tá com cheiro de bolo Ana Maria” Respondi, conseguindo ajeitar finalmente o bolo no meu colo.
“É amigo secreto?” Perguntou, dando uma rápida olhada na boleira de novo.
Expliquei que era confraternização da empresa, acrescentei estar com medo de ninguém querer comer, porque para ser bem honesta, o bolo estava com uma cara péssima, o coitado quebrou quando desenformei, precisei fazer uma operação no estilo Frankenstein, para ele chegar inteiro em Pinheiros.
Não lembro exatamente o que ela respondeu, mas tinha me parecido que a nossa conversa paralela tinha acabado, principalmente por ela ter se virado para a prima e ter ficado conversando com ela. Depois de uns dois a três minutos, me surpreendi, sendo puxada de novo na conversa, com a moça ao meu lado rindo e olhando para mim.
Depois disso, não sai mais da conversa, mesmo se eu não falasse nada, ou tivesse alguma coisa para acrescentar. Eu estava genuinamente gostando da conversa delas. Resumo a vocês, o que descobri sobre aquelas mulheres incríveis.
A de cabelo vermelho, professora, que depois de dois anos de muito estudo, conseguiu passar no concurso público, agora sendo uma professora concursada. Ela começará em uma nova escola ano que vem. Atualmente dá aula para alunos de 1º a 5º ano, sendo professora de todas as matérias. Tem um filho de 11 anos que é muito calminho. Recentemente, fez cirurgia da vesícula, disse que os pontos coçam bastante, mas que ela está melhor.
A de cabelo loiro, enfermeira, formada por uma ação social, que eu não lembro o nome. Sei que agora, ela quer fazer a faculdade completa, para se especializar e trabalhar com geriatria, coisa que no momento ela já faz no hospital que trabalha. Ela também tem um namorado, que não é muito fã de andar de metrô. Tem duas meninas e um menino.
Perguntei se ela gostava de trabalhar cuidando de idosos, ela disse que sim, que alguns eram muito fofos e tranquilos, mas que sempre tinha um que não gostava de nada.
“Tinha um senhor, que ele era terrível, odiava tomar banho. Toda vez que eu ia falar ‘senhor, vamos tomar um banho?’, ele arrumava um monte de desculpas, dizia que não podia, porque o time dele ia jogar, depois que ia chover, outro dia que ele estava cansado, que estava muito frio, que estava muito quente, só me enrolando. Eu falava ‘É, sua filha vai chegar aqui e o senhor vai estar todo sujo, quer que sua filha te veja assim??’ nisso ele aceitava tomar banho. Isso quando eu não precisava ligar por chamada de vídeo para a filha dele, pra ela falar com ele, que ele precisava tomar banho. Só assim!’
Entramos no assunto de pessoas mais velhas, foi quando descobri o parentesco entre as duas, que até então achei serem amigas muito próximas. Elas começaram a contar da avó delas, que se estivesse viva hoje em dia, teria mais de 100 anos, ela faleceu em 2016.
“Quando o meu filho era pequeno, eu levava ele para a casa da minha avó, toda vez ele ia e passava reto, minha avó ficava possessa e falava ‘Você não criou esse menino direito, traz esse moleque aqui, que ele vai me dar bença!’ e aí ela fazia ele beijar a mão dela, achava um absurdo ele nunca dar bença. Quando ela morreu, meu filho era pequeno ainda, aí falamos pra ele que a bisa foi fazer uma viagem, E eu lembro que ele disse, todo indignado ‘, mas sozinha?? Ela vai se perder!’ — Ela riu junto da prima, uma risada sincera, como se ela conseguisse ver essa cena acontecendo de novo.
Nisso, já estávamos na Sé, juro que nem senti as estações e o tempo passarem. Nós três iriamos descer na mesma estação, a República. Saímos juntas do metrô ainda conversando. Depois de me ajudarem a ir no sentido certo da linha, nós nos separamos, elas continuaram subindo, saindo da estação. Eu segui para o sentido Vila Sônia, ainda segurando a boleira na mão, continuando a chamar a atenção de todo mundo.
Sobre o bolo, ele foi bem elogiado, as pessoas ignoraram a cara feia dele e deram uma chance, amando o gosto. Modéstia a parte, ele realmente estava gostoso, bem fofinho, gostinho de bolo puma.
Sobre essa crônica, quis trazer a história, por amar a conversa que tive com as duas moças. Gostei de conhecer mais sobre elas e de como elas me incluíram, dando até contextos familiares para mim. Eu, uma estranha, que segurava uma boleira com bolo de formigueiro.
Às vezes, a gente precisa sair da nossa realidade, sair um pouco do celular, tirar os fones de ouvido, ouvir o ambiente, ouvir as pessoas, que sempre tem algo a dizer. Achei a situação engraçada e inusitada, as mulheres, mais engraçadas e inusitadas ainda.
Ainda bem que naquele dia, eu fui a pessoa excêntrica delas, a menina de tatuagem, lateral do cabelo raspada, óculos escuros, segurando uma boleira na mão. Toda essa troca inusitada, graças a um bolo formigueiro.
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